quarta-feira, 25 de março de 2009

NAVEGAÇÃO INTERATIVA

Fui chamado às pressas por Dom João III. Ele queria me apresentar um novo projeto de expedição, formulado pelo seu departamento de Comunicação.
– Qual o plano desta vez, meu rei? – essa gíria o Cabral trouxe lá da Bahia.
– Vasco, todo mundo já cansou das nossas expedições às Índias. Já fomos duas vezes. Vai ser difícil emplacar a terceira temporada sem novidades. A saga para descobrir o caminho das Índias virou um feito pequeno, uma vez que a própria Índia foi duplamente ridicularizada: na novela das oito e no cinema. Na primeira, pela estetização da riqueza; e na segunda, pela da pobreza. Precisamos deixar nossas viagens mais interativas. A navegação agora é 2.0. O internauta quer participar.
– Como é que é, alteza?
– Isso mesmo, são tempos duros. Ninguém mais se interessa por uma simples aventura, mesmo que seja por mares nunca dantes navegados. O pessoal quer poder comentar, postar um vídeo, mudar a rota da expedição, essas coisas. A gente precisa entrar na era do conteúdo gerado pelo consumidor.
– Mas, meu rei, de conteúdo nossas naus vêm abastecidas.
– Vasco, você não está entendendo nada. Desse jeito, será rebaixado.

Diante da ameaça, acomodei-me na cadeira para ver a projeção do PowerPoint explicativo do projeto. A proposta era mais ou menos assim: eu sairia com a tripulação – desta vez composta de lindas modelos (essa parte me agradou) e de marujos de mentirinha, esculpidos em academias de ginástica. Durante o nosso percurso, as pessoas poderiam entrar num site e acompanhar a viagem. Um GPS iria fornecer nossa posição exata, e de tempos em tempos nós postaríamos alguns vídeos com depoimentos da tripulação, em que eles contariam como estão se virando como marujos e marujas, as paixões que se ascenderam, as intrigas, as reclamações de colegas. “Big Brother?” – perguntei eu.
Nada disso. O nosso formato seria mais fresh. Por meio dele, o internauta vai escolher que rota a nossa nau deve seguir. As rotas mais votadas serão executadas. Mais: o público poderá dizer o que quer que a gente saqueie e quem quer que a gente subjugue. Prêmios serão necessários para manter a audiência participando. O internauta que tiver mais sugestões de rotas aceitas vai se integrar à tripulação na viagem de volta, na faixa (entenderam?). E o felizardo ainda poderá escolher uma especiaria para receber por dois anos, gratuitamente. Para que a qualidade do post seja elevada, o rei determinou que o próprio Camões fosse a bordo escrevendo Os Lusíadas II, uma viagem muito louca.

Confesso que achei a coisa toda meio estúpida. Sei que posso parecer um pouco reacionário à dinâmica desses novos tempos. Ainda prefiro uma aventura linear, com um bom roteiro que tenha começo, meio e fim. Entendam: não sou mais um garoto, já cruzei o Cabo da Boa Esperança.